segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Clássico dos Milhões sob a ótica da Saúde Pública

O Rio de Janeiro se mobilizou com o final de semana de clássicos no Engenhão - clássico Vovô (Fluminense e Botafogo) no sábado e o clássico dos Milhões (Flamengo e Vasco) no domingo. Eu, como todo carioca amante do futebol, separei meus aperitivos e botei a cerveja para gelar, ansioso com as surpresas que o final de semana poderia trazer. Infelizmente, as surpresas trazidas pelo final de semana não foram agradáveis como eu esperava.

Já no sábado, meu telefone não parou de tocar por causa do “Bonde sem freio” de Santa Tereza. Algumas redações de jornais entrando em contato comigo por conta do acidente ocorrido, questionando sobre as condições dos hospitais que prestaram atendimento aos feridos pelo acidente.

Não quero aqui entrar no mérito da causa do acidente – que claramente se deu por falta de conservação e de fiscalização – mas sim questionar se o Rio está preparado para receber eventos e se sua rede de saúde pública tem capacidade de suportar acidentes como o corrido.

Ficou evidente que a resposta para esses questionamentos é negativa. Só para dar o exemplo do que ocorreu no caso do acidente em Santa Tereza, os cidadãos que precisaram fazer tomografia perderam um longo tempo para isso. Foram removidos para o Hospital Lourenço Jorge, na Barra (o acidente aconteceu no Centro!) para depois retornar ao Hospital Souza Aguiar. Tudo isso porque o tomógrafo do Souza Aguiar está quebrado e o Lourenço Jorge não possui neurocirurgiões.

A coisa fica ainda mais vergonhosa quando se tem a notícia de que existem três tomógrafos encaixotados (um no Souza Aguiar, outro no Salgado Filho e outro no Miguel Couto).

Agora o amigo leitor deve estar se perguntando: o que tem o clássico dos Milhões com isso?

Explico: assim como o Prefeito e o Governador, também sou vascaíno – abro os travessões para registrar que as semelhanças param por aí! – e fiquei muito sensibilizado com a situação do técnico do meu time, Ricardo Gomes, que sofreu um Acidente Vascular Encefálico durante a partida.

O atendimento foi rápido e pareceu-me eficiente. Com certeza houve diagnóstico a partir de uma tomografia e o tratamento cirúrgico veio logo na sequência com uma agilidade muito grande, exatamente como deve acontecer nesses casos.

Agilidade no tratamento, em situações semelhantes, é fator primordial para que a vida do paciente seja salva. O caso do nosso bravo treinador é grave, mas o que se deve tirar como lição é que as chances dele escapar dessa ficaram muito maiores e as possibilidades de seqüelas diminuíram a partir da intervenção feita.

Fica o pensamento positivo e a torcida pela recuperação do comandante da nau cruzmaltina, mas fica também a certeza que o cidadão comum, que sofre acidente de bonde ou de ônibus (ou tenha um acidente vascular cerebral) não terá a mesma sorte. Situações como a de sábado, onde o paciente tem de sair do Centro para ir até a Barra para fazer um exame são comuns. Na maioria das vezes, inclusive, o cidadão tem de ir por conta própria.

E mais, se conseguisse fazer a cirurgia na rede pública, não teria onde fazer o pós-operatório, já que há uma carência enorme de leitos de CTI?

É assim que caminha a saúde do Rio de Janeiro nas mãos dos vascaínos Cabral e Paes, uma maravilha na propaganda, com tomógrafos encaixotados, emergências superlotadas e grande falta de leitos de CTI.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Esperando Godot

Seis por dia, cento e oitenta por mês, duas mil cento e noventa por ano!


Esses são o número de pessoas que morrem esperando leito de CTI no Rio de Janeiro, segundo Ação Civil Pública proposta essa semana pelo Ministério Público (MPRJ). Se a frieza dos números não nos permite mensurar a dor daqueles que perderam entes queridos nessa peregrinação em busca por vagas, ao menos serve para percebermos o tamanho do buraco em que se encontra a saúde do Rio de Janeiro.


Qualquer cidadão que passe pelas nossas unidades de saúde percebe que o sofrimento é uma marca inexorável desse sistema, tanto para os pacientes que sofrem a humilhação trazida pela falta de um acolhimento digno por parte do Estado, quanto para os profissionais que trabalham em péssimas condições e com baixíssimos salários. Isso sem falar na ansiedade e incertezas daqueles que não conseguem vagas e seus familiares.


Esse quadro tão precário só foi possível graças à falta de comprometimento da classe política em dar uma saúde digna à população e ao fato do cidadão ter se acostumado (e se acomodado) com o pouco caso do poder público para com as classes menos favorecidas.


Nossos governantes parecem mais interessados em fazer de sua política de saúde pública um verdadeiro festival pirotécnico, do que em resolver os problemas. Com uma agenda recheada de inaugurações e exageros publicitários, a preocupação só pode ser a repercussão midiática e o possível retorno eleitoral.


Diante desse contexto, é com muito bons olhos que vejo a atitude da Promotoria de Tutela Coletiva da Saúde pelo trabalho que desenvolveu uma bela ação para a criação imediata de 349 leitos de CTI. Já passava da hora de que uma providência judicial fosse tomada e, nesse caso, posso dizer que o MP cumpriu boa parte do papel que lhe compete.


É de se louvar também o que foi pedido no processo, pois o foco da ação, além de multa contra o secretário, é o bloqueio de verbas públicas destinadas a ações não essenciais, tais como os gastos em propaganda. Essa fatia (cada vez maior) do nosso orçamento está se tornando uma verdadeira chaga aos cofres públicos e me faz lembrar o dito popular “por fora bela viola, por dentro pão bolorento”.


Cabe, por fim, a seguinte reflexão: não seria o momento de o ministério público dedicar um pouco mais de atenção institucional - e recursos! – para promotorias que trabalham com a questão da saúde pública no Estado do Rio de Janeiro? Tenho certeza que se outras medidas desse quilate forem tomadas, a situação da saúde pública mudará para melhor.