sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O Retorno de Freixo

No inicio do mês, o Deputado Marcelo Freixo embarcou para Europa para que o esquema de segurança dele e de sua família pudesse ser reavaliado e repensado. O convite para sair do país partiu da Anistia Internacional, após as sete ameaças de morte recebidas em Outubro. Passados quinze dias, ele retorna ao Rio de Janeiro com sua segurança reorganizada, mas tenho certeza que não volta satisfeito.

Essa insatisfação não vem por conta da postura feroz de parte da mídia que se apressou em acusá-lo de oportunismo eleitoral e outras milongas. Para os que não sabem do que falo, vejam a entrevista concedida por Tim Cahill, coordenador da Anistia Internacional no Brasil à Rádio BandNews. Mentiras com pernas curtas, plantadas em notinhas por puxa-sacos e interesseiros de plantão incomoda com as verdades que Freixo representa, não preocupam o parlamentar. Não, o motivo da insatisfação de Freixo é outro. Digo isso, sem medo de errar, pois sei que, para Freixo, reorganizar a sua própria segurança não é suficiente. O que ele realmente quer é dar segurança para todos que são ameaçados por milícias no Rio de Janeiro.

De fato, ninguém duvida da sede de sangue com que os milicianos caçam seus inimigos. As feridas abertas no recente caso da Juíza Patricia Acioli, executada com munição da PM, pagas com dinheiro público, só cicatrizará quando medidas concretas contra a milícia forem tomadas.

Parte do terror imposto por esses grupos paramilitares passa justamente pela organização e poder de seus integrantes que ocupam cargos relevantes em diversos setores da sociedade que deveriam defender nossos interesses, como em chefias da policia e, até mesmo, no legislativo. Para se ter uma idéia, somente na atual legislatura (2008-2011), três vereadores da Câmara do Rio perderam mandatos após serem presos por envolvimento com as milícias. É interessante lembrar que esses vereadores sempre participaram da base do governo Municipal em seus curtos mandatos.

Tal comportamento é perfeitamente justificável, uma vez que vários desses milicianos fizeram campanha lado a lado com o atual prefeito que, em contrapartida, sempre adotou uma postura leniente com esse poder paralelo. Infelizmente, o executivo municipal e estadual só parecem se preocupar com essa questão quando ela ganha espaço na mídia.

Como explicar os critérios para que apenas uma pacificação tenha ocorrido em território miliciano, se o relatório da CPI das milícias mostra que o número de mortes é maior nessas comunidades? Respondo: as UPPs, infelizmente, são utilizadas como capital eleitoral e, sob essa lógica, não justifica ocupar uma região que já vota no governo. A única exceção foi o Jardim Batam, favela na Zona Oeste que ganhou as manchetes dos jornais cariocas quando jornalistas do Dia foram torturados no local, obrigando o executivo a “mostrar serviço” (para relembrar do caso, leia o relato do fotografo Nilton Claudino na revista Piauí).

Como explicar a atuação esquizofrênica do executivo na questão do transporte alternativo municipal? Simples: saiu uma matéria no Fantástico denunciando o que todos já sabiam. Novamente, o governo não teve saída, a não ser rever o projeto que havia encaminhado para a Câmara. Originalmente, o objetivo da Prefeitura era licitar linhas através de cooperativas, favorecendo assim as “associações” que já controlavam a atividade e, apesar da reclamação dos profissionais autônomos e de alguns vereadores, não havia dialogo. Porém, após denúncia global, o Prefeito mudou de opinião.

Percebendo que Freixo é um profundo conhecedor dos problemas da segurança municipal, as maquiagens de cunho eleitoral tornaram-se mais freqüentes, para tentar criar no eleitorado da zona sul, a imagem de um combatente das milícias. É claro que a internet nos permite desmascarar essa farsa com um simples “clique aqui”.

Nesse verdadeiro xadrez político, Eduardo Paes fechou três estacionamentos irregulares no Centro do Rio. Curiosamente, tal medida só foi adotada no final de seu terceiro ano de mandato, faltando menos de um ano para as próximas eleições e, mesmo assim, só após Freixo ter que deixar o país, mostrando inoperância do aparato estatal em conseguir manter presos milicianos (que fogem pela porta da frente de penitenciárias), reabrindo essa discussão que já estava esquecida. Diante desse contexto, o retorno de Freixo deve ser encarado como mais um marco para reavivar e cobrar das autoridades executivas constituídas uma concreta atuação contra as práticas desenvolvidas pelas milícias.

Ciente de que a boa oposição não reclama por reclamar, a CPI das milícias trazia propostas para combater as denuncias que fazia, mas quase nada de efetivo foi feito desde o detalhado relatório produzido no final de 2008. Termino esse texto listando algumas das recomendações que dizem respeito à prefeitura e foram solenemente ignoradas:

- Maior controle e fiscalização pela Prefeitura e pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro dos terrenos localizados em comunidades, de forma a evitar a ocupação irregular do solo urbano, loteamento e venda ilegal

- Montar, no Rio e demais municípios, com a participação das Guardas Municipais, uma política de presença ostensiva de policiamento em bairros e locais de maior incidência de crimes, chamando para este debate representantes comunitários e associações comerciais locais, evitando assim deixar espaço para a segurança ilegal

- Legalização do transporte alternativo municipal pela Prefeitura do Rio de Janeiro, e do intermunicipal pelo Estado, com a devida normatização, cadastro, controle e fiscalização, mediante permissões de caráter individual

sábado, 5 de novembro de 2011

Reproduzo nesse espaço artigo publicado no Jornal O Globo de hoje, cujo teor endosso plenamente e que entendo exprimir a realidade nacional e a local, principalmente a política de terceirizações adotadas pelos governos estadual e municipal.

É preciso estatizar o governo

MARCO POLO RIOS SIMÕES

As pessoas imaginam que o pior da corrupção é o dinheiro subtraído dos cofres públicos, que daria para construir casas, redes de esgoto e outras necessidades da nossa sofrida população. Porém, com o passar do tempo, a corrupção destrói a máquina pública, o que compromete a capacidade do governante de fazer qualquer coisa, mesmo que queira. Hoje, o governo brasileiro é incapaz de tomar conta de uma estrada.
Ao ingressar na máquina pública, a primeira coisa que o corrupto faz é escantear os concursados e nomear amigos para ocupar os principais cargos. Esse quadro de alta rotatividade nos cargos de comando é comum nos ministérios e secretarias estaduais e municipais.
Nos países desenvolvidos a máquina pública é estável — defende o órgão de eventuais aventureiros. No Brasil, é o contrário: os servidores é que se defendem, encostando-se em algum canto para não incomodar os “invasores”. Prevalece um clima de temor em denunciar irregularidades, pois o funcionário sabe que a eventual queda de um urubu só significa que outro irá para seu lugar e o perseguirá. A CPI dos Correios chegou a propor uma legislação que premiasse a denúncia e impedisse prejuízos ao servidor que abrisse o bico. A ideia não foi adiante.
O servidor percebe a inutilidade de se dedicar à sua carreira, de se especializar para melhorar os serviços prestados à população. Ao invés de evoluir com o tempo, a administração pública trilha o caminho contrário: piora a cada ano.
A máquina pública brasileira atingiu tal grau de desestruturação que vigora a completa descrença na sua capacidade de produzir algo de útil. Mesmo que o governante da hora decida que sua reeleição depende de fazer algo que preste em uma área chave, não contará com uma estrutura capaz de realizar sua vontade.
E é aí que surge a solução miraculosa: privatizar tudo. Estradas, hospitais, aeroportos, telefonia, banda larga — tudo foi ou vai ser privatizado por conta da incompetência do Estado. Com o pretexto da Copa do Mundo, fala-se até mesmo em privatizar a segurança pública. Note-se que estamos em um governo do PT, partido que se dizia radicalmente contra as privatizações.
E tudo vai continuar sendo privatizado da pior forma possível. Fosse o Brasil um país capitalista, o caminho de qualquer privatização passaria pela abertura de capital e venda de ações em Bolsa, dando oportunidade a todos os brasileiros de participar do negócio que envolve o seu patrimônio, o patrimônio público.
Ainda assim, se privatização resolvesse o problema, seria ótimo. Mas não é isso o que assistimos. São de péssima qualidade ou muito caros todos os serviços que são concessões públicas, como estradas, portos, bancos, banda larga e canais de TV a cabo. Repito: o governo atual está planejando incluir na lista hospitais, aeroportos e até a segurança pública.
Na área social não é diferente. Incapaz e capaz de tudo, o governo privatiza R$10 bilhões por ano com ONGs, a pretexto de executar políticas sociais, usando a desculpa de que o Estado não tem máquina pública para fazer coisa alguma.
Não há um só ministro, desses 38, que ocupe o cargo em função de sua experiência e capacidade técnica. Não há um único que ocupou o cargo e se espantou com o estado lastimável da máquina pública.
Governar significa administrar. E para administrar é preciso ter uma máquina pública eficiente e estável. É preciso estatizar o governo brasileiro.

MARCO POLO RIOS SIMÕES é servidor público, auditor do Tribunal de Contas da União.